terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Sonete de Penumbra

Nas ruelas onde jazem as tumbas
Meus pensamentos vagueiam a sós
Fogos-fátuos são os meus faróis,
Ante a multidão de catacumbas.

À noite a morte não amedronta a nós
A lua acima guia a penumbra
Se me morro, conforme a macumba
Mil outras vidas tenho logo após.


Quem teme enfim a terra desolada?
Que tantos outros mistérios esperam,
Depois, lá muito além da alvorada?


Quem já morreu conhece o outro lado
E todas as mortes que aqui navegam
Não vem com o barqueiro, mas com o passado.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Onde habitarem teus pensamentos

Onde habitarem teus pensamentos
Faça que haja silêncio
Faça de lá a mais calma morada
Que também eu de lá um lar farei.

A paz que me furtam na rotina
E o ócio que me perfuma a alma
Não são deste mundo
Não sou deste mundo, tampouco
Nem o quero ser.

Há tantos terremotos no meu âmago
Recrio-me diariamente entre os meus escombros
Transformo pedras, cascalhos, rebocos
Em poesia, música e dança
E finjo que ainda posso sorrir inocentemente
Mesmo estando fora de mim
Mesmo sem ouvir o mar me chamando
Mesmo sem me possuir.

Tropeços que tenho dado
Dúvidas que tenho tido
Venenos que tenho tomado
Comidas que tenho engolido
E os meus sonhos são, em meio ao caos
Poeira e lama, um drama molhado
Ora por lágrimas, ora por chuva
Dos olhos ou das nuvens
Que carrego dentro de mim.

Ouvir, ler ou cantar
Poetas, cantores, escritores, artistas e eu
Sem ser camões, sem ser buarque, sem ser lispector
sem ser verissimo, sem ser Goethe, sem ser Rosa
Não sou e nunca serei nada
Não nasci para ser, mas para tentar e falhar
E ter nas mãos tantos erros
Só me inspira a continuar tentando
E ter em mim todas as frustrações da vida
Carregar o Sol dentro do peito
E continuar a ser frio, como um inverno.

Minhas palavras são vis
Eu sou um navio sem porto.
Não tenho enredo e nem sequência lógica
Não converjo para lugar nenhum
Nem ganho presentes no natal.
Sou um x sem equação para encontrar-me
A incógnita maldita que habita lugar-nenhum.

E aquele que um dia foi poeta
Tornou-se, finalmente,
O que nasceu para ser:
Um sonho livre disforme
Uma cachaça sem alcóol
Uma casa desabitada.