sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Soneto abandonado

Esse quarto é um reflexo retorcido;
Essas paredes são garras felinas,
Bem conheço essas cama'as - vi meninas
Quando aqui cheguei, no auge dum tempo ido...

Minhas pegadas tristes criam vinas
O espelho me desvela um ser ruído;
Dos móveis sou o enfeite preferido
Sou parte da paisagem: as cortinas...

Ensaio um ou dois passos...não me movo
Já nem sei sair...fora, o que há de novo?
Outro planeta vaga junto ao Sol?

Atrofiado numa alcova fria
Podia ter o mundo, quem diria?
Que a solidão seria o meu farol?

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Os negros desta terra

E nós, por onde andamos?
Em terras enlameadas, no barro vivo
Esgueirando-nos pela mata,
Subindo e descendo morros.

A tocha acendia quando o galo cantava
A casa de pau a pique tornou-se barraco
E o cimento das paredes ainda nem secou.
A noite estendia-se sobre nossos pés
Mas os dias mais escuros foram no passado
Quando a terra adusta tinha o nosso gosto
Quando havia sorrisos sob os nossos olhos vermelhos.

Sem nadar atravessamos o oceano
Sem vontade, deixamos nossas famílias
Ouviu-se choro e lamento e ladainha
Nos porões, nas senzalas, nas favelas
E nenhuma corrente se quebrou sem nossa luta.
Ninguém deixou de olhar pro céu
De olhar o passado buscando a glória perdida
A doutrina veio nos assolar em mangas de camisa
A chibata nos ensinou a não gritar tão alto
Os terreiros floresceram na primavera
Sem nossos pés por tempos imensuráveis

Mas eis que chegou o momento de nos levantarmos
Entre herdeiros de capitanias, barões e baronesas
Entre os flagelados que concordam com o flagelo
E os que nunca se admitirão escravos
Pois ecoa novamente o nome dos antigos reis
Aqualtune, Ganga Zumba, Sabina, Zumbi e Dandara
E hoje podemos ouvir o seu chamado.

terça-feira, 8 de novembro de 2016

Minha prosa

Minha prosa empírica é o poema
Ardendo em tolices
Sangrando no papel calvo
Onde tento me agarrar sem sucesso.

Alcanço meus versos sem correr
Ponho a mão frente a meu peito
Transpiro um suor dessalinizado
No esforço impróprio e sem propósito...

Sou navegante das palavras
Mareio feito vaga - à terra e ao céu
E minha tinta escorrendo do meu rosto
Faz-me caneta em mundo branco.