sábado, 30 de dezembro de 2017

Escombros da carne

É noite em mim, reflito estrelas
Sou mar de ondas correntes
Sou rio que a maré leva e traz.

Atrás dos meus olhos vermelhos
O mundo se forma na contramão
Medos do passado voltam sem convite:
É tempo de poesia pra salvação.

Posso ser minha promessa divina
Os meus segredos ainda são só meus
Espreito meus pensamentos na surdina
Rezo, mas a minha prece não é a deus.

Não pode ser justo o amor, acredito
Mundano, erguido nos ombros da dor
É triste: pra ser feliz só se sangra
É lasso pela servidão ao seu senhor.

E o choro que longe se escuta
É luta? É sangue? É o quê?
É rio que flui para a nascente
Lágrimas de uma vida sem porquê.


segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Passado Atlântico

Sonhei que chovia na praia.
O mar é meu companheiro e me conhece bem.
Temos boas histórias juntos
E as más, prefiro fingir que não existem.

Não sei se as águas têm boa memória
Mas acredito que algo dentro delas
Percebe que ali estou eu
Filho da mãe das águas a tocá-las
A caminhar ao pé da areia a perguntar
"Como vai, velho amigo? O que tem feito?"

Minhas memórias com o mar me beijam
como um cachorro lambendo o dono
como virgem no primeiro beijo.
São momentos de me lambuzar com o passado
Um passado Atlântico, como o do Brasil.

Acorda, paz!

Brancos são lindos
brancos são puros
brancos são justos
brancos são...brancos!

Brancos toleram
brancos são nobres
brancos são ricos
brancos são...tantos!

Brancos não roubam
brancos não matam
brancos não escravizam
brancos são...Santos!

Brancos de direita
brancos de esquerda
brancos se digladiam
brancos aos prantos.

Brancos do capital
brancos ricos, milionários
brancos bilionários
brancos donos de bancos.

Brancos prefeitos
brancos deputados
brancos senadores
brancos...malandros!

Brancos libertos
brancos alforriados
brancos desacorrentados
brancos nunca no tronco.

Pureza...a pomba e a paz
Tua cor, que erro enorme!
Lascívia, branca negação
Genocídio na miscigenação.

Pecados que os santos perdoam
E o vermelho que pintou esse chão
Seu olhos enxergavam ouro
Os nossos, viam uma nação.

Agora, o branco é pardo
Alisado na integração
Teu nome em lábios de Europa
Acento na entonação

teu corpo em pele de África
Nasceu da própria exploração.
Rebanho nascidos da morte
Saúdam a negra extinção.

Sorriso mais claro

A bela branca
a fera espera
na pele cela
oprime e reprime
desnuda revela:
sou seu fetiche
sou seu fantoche
sou seu instante
nunca seu amanhã.

Um penduricalho
enfeite de natal
o bibelô, o souvenir
tão belo em seu quintal.
Alepo sou eu
Paris é você
De onde você é?
Eu sempre devo responder
Imaginação: Haiti, Nigéria
Teu povo é tão pobre
Europa é a miséria.

Tua cor é meu leito
Teu povo me jura
De morte na história
Teu colo em candura
Me embala de noite
Sussurra em segredo
Aponta na rua:
Aquele é meu preto!

Um rosto de Espanha
Um beijo de Itália
Abraço Alemanha
Dois lábios navalha
Me corta o pescoço
Me vende em retalho
Sou pouco pra feira
um penduricalho.

Na praia teus óculos
me tornam mais preto
teus olhos silêncio
tua boca segredo
um pau na sua cama
troféu na sua estante
te torno mais leve
te mudo o semblante.

Minha folha de Flandres
Amor sem carícia
Sou teu sem amarras
Na dor, sem malícia
Não posso ser eu
Meu povo me nega
Sob o teu regime
Não fujo às regras.

sábado, 9 de dezembro de 2017

Melhor amigo

Melhor amigo,
navegam meus olhos as naus
do descobrimento das dores terrenas.
O que de mim descobri eu,
nesses anos de tormenta frente ao mar?

Cansaço, amigo velho,
uso a carne do seu corpo
para expressar sentimentos mendigos
sem teto e sem futuro, a esticar os braços
numa rua vazia qualquer.

Começo a acreditar que há no mundo
um porquê que não se sabe quando
um ser supremo a designar até tolices
pois nada mais me é grade nesse solo
mas cá estou preso a problemas sem solução.